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E a danada da inveja, heim... xô! xô!

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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A INCOERÊNCIA É O REGIME (Zelinda Barros)

Em uma de suas músicas, Caetano Veloso diz que aqui no Brasil “a indefinição é regime”. Discordo. Não há indefinição, há incoerência, pois publicamente muitos(as) defendem sem hesitação um determinado ponto de vista e, no aconchego do seu lar ou nos bastidores, agem de forma escandalosamente divergente. Chovem denúncias de políticos(as) que prometem moralidade, mas agem como verdadeiras aves de rapina quando se apropriam do erário público. Outros(as) se dizem defensores(as) dos Direitos Humanos, mas os únicos direitos que efetivamente defendem são os seus próprios, de seus familiares e/ou correligionários, em detrimento dos(as) demais. Para estes(as), a vida parece ser algo radicalmente defensável, desde que seja a sua própria ou a de seu grupo social, político ou étnico-racial. Muitos(as) se dizem anti-racistas, mas se calam vergonhosamente diante do sexismo e da homofobia; ou, se dizem anti-sexistas e/ou anti-homofóbicos(as) e são racistas. Um número expressivo de pessoas publicamente clamam por paz, mas alimentam a violência com o consumo desenfreado de drogas em suas festinhas e encontros privados. Há definição sim. Discursos bem estruturados, ideologicamente embasados, mas completamente vazios de sentido prático porque não se faz o que se diz. O “normal” é ter uma ética que privilegia a emissão pública de uma opinião afeita ao discurso politicamente correto, mas que é frouxa o suficiente para permitir o “jeitinho” quando for pessoalmente conveniente. Em vez da situação social que ora presenciamos, com o total descaso em relação à educação e à saúde dos menos favorecidos no país - que mata por ignorância e negligência, precisamos mais que urgentemente de uma "faxina moral".

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

MOVIMENTO DE MULHERES: COM OU SEM MULHERES? (Zelinda Barros)

Atualmente, fala-se que vivemos um novo momento para os movimentos sociais no Brasil. Grupos organizados em várias partes do país reivindicam políticas que contemplem os seus direitos. Os grupos de mulheres, como parte deste rol de grupos que questionam a lógica de um sistema que privilegia uns em detrimento de outras(os), também estão aí inseridos. Esta noção de que “há algo novo no ar” não necessariamente significa, a meu ver, novas formas de organização e sim que as desigualdades sociais hoje apresentam-se de tal forma que já não mais possível sofrer seus efeitos sem manifestar alguma forma de insatisfação. Este estado de coisas, no entanto, não nos leva a uma prática política transformadora, pois a organização necessária para a mobilização de mulheres encontra-se aquém do necessário para minimamente enfrentar as dificuldades que nos são impostas. A sensação que temos é de que estamos indo à luta contra armas das mais potentes e sofisticadas munidas de estilingues, o que nos coloca novamente em desvantagem. Mas qual a razão deste descompasso? Seríamos nós mulheres realmente menos capazes? Neste ensaio esboço algumas respostas a partir de inquietações que, para mim, nos dão pequenas pistas para responder a estas questões.

A institucionalização dos movimentos sociais - dentre eles o de mulheres, que hoje têm boa parte de seus quadros integrando as estruturas de governo, põe a nu questões não resolvidas pelos movimentos e que precisam ser entendidas não apenas como referidas a um movimento estratégico de cooptação pelo Estado ou à traição das(os) companheiras(os) seduzidas(os) pelo poder. A penetração de espaços até então não ocupados por mulheres, por exemplo, traz à tona o problema do relacionamento com o poder, do modo como lidamos com a possibilidade concreta de reversão de uma situação que pode contribuir para a modificação das nossas vidas.

As explicações de alcance macro podem ser tentadoras no sentido de dimensionarmos o problema como algo que não atinge exclusivamente a um determinado segmento de mulheres, mas a todas nós. No entanto, elas fazem com que percamos de vista minúcias que, para nós mulheres, que ao longo de nossa trajetória histórica nos ocupamos das “pequenas coisas”, são importantes para definição de um novo rumo na luta política. O sistema de dominação que impõe a nós mulheres a situação de desvantagem em relação aos homens, até mesmo por nossa própria iniciativa em favor deles, se alimenta de uma lógica que muitas vezes reproduzimos na tentativa de esboçar uma reação. Revela-se o mesmo desprezo pelo que é considerado de menor importância, de menor impacto: a relação face a face. É justamente a proximidade das relações que as mulheres historicamente forjaram que pode servir como potencial transformador da vida de todas as mulheres, não apenas das que são consideradas empoderadas ou que tentam a via do empoderamento das mulheres através do ilusório empoderamento de algumas poucas representantes. Não podemos cair na armadilha de pensar que a ocupação de determinado cargo de prestígio ou que o gozo das benesses desfrutadas por ocuparmos certas posições de poder repercutirão sobre as outras mulheres com a força de um exemplo a ser seguido, como a possibilidade de que “é possível chegar lá”.

Mesmo quando nos pensamos grandes ainda somos pequenas. O aumento da força de uma depende do aumento da força de todas, o que implica em identificar nossas diferenças, mas também considerar que os privilégios que detemos e fazemos questão de manter podem nos levar, no máximo, a um conforto individual e instável, mas que, se não forem transformados em direitos coletivos, não contribuirão efetivamente para a mudança significativa de um quadro de dominação secular que ajudamos a construir. Penso não somente nas mulheres que alcançaram posições de prestígio profissional, mas também naquela dona de casa da periferia que esquece da vizinha quando, a custo de muita economia, consegue comprar um carro popular usado e passa a se comportar “como se tivesse o rei na barriga”.

A influência cada vez mais crescente dos meios de comunicação na pressão pelo consumo desenfreado retira o foco de nós mesmas e passamos a, como robôs, perseguir a busca por aquisição de bens. Nesta tentativa desesperada de termos cada vez mais coisas, mesmo aquelas das quais não necessitamos, esquecemos das pequenas coisas que podem fazer a diferenças para outras. Falo não de bens materiais, mas de relacionamento, de considerar a outra, se importar com a sua vida, suas angústias e sofrimentos.

Na situação de competição frenética em que estamos colocadas não nos interessa o que a outra pensa, mas apenas que ela deve ser ou pensar para que possar ser considerada uma igual. É aí que mora o perigo, pois a luta das mulheres passa pela convergência de pessoas que necessitam, apesar das diferenças, se unir em prol de uma luta que mude a vida de todas, não importando se ela tenha a cor da pele ou cabelo que mais me agrade ou que diga exatamente aquilo que eu quero ouvir. Alguns grupos organizados, como partidos e associações, exercem um papel devastador para a consolidação da luta feminista, pois polarizam os grupos e dividem com base em critérios que, para nós mulheres, não nos tem contemplado nem se traduzem em resultados positivos na luta pela mudança da nossa condição. A socialista, a neoliberal ou a anarquista sofrem, em diferentes graus, dos efeitos da dominação ideológica de gênero, e não é pela via partidária que a luta feminista será fortalecida. Isto não significa que devamos virar as costas para a possível ampliação de espaço no poder formal.


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Movimento de mulheres: com ou sem mulheres? is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.

DISTORÇÃO NA LEI MARIA DA PENHA (Zelinda Barros)

“Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.” (Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha)

O artigo acima traz uma cilada. Ele diz que a lésbica que comete violência contra outra lésbica, estando dentro dos requisitos acima elencados, também pratica violência contra a mulher. Isto não é verdade. E digo o porquê. Qualquer mulher que cometa um ato violento contra outra mulher pode ser caracterizada como violenta, mas ela não pode ser acusada de ter praticado “violência contra a mulher” porque este trata-se de um tipo específico de violência, que está referida à estrutura de gênero da sociedade em que vivemos, que privilegia os homens em detrimento das mulheres. Pode uma despossuída de poder numa estrutura de gênero desigual agredir uma outra despossuída? Você pode afirmar: “Sim, pode”. Também concordo. Entretanto, mesmo que esta mulher, em algum momento, obtenha alguma vantagem em relação à outra a quem agride, seja ela simbólica ou material, continuará sendo uma despossuída tendo em vista a nossa estrutura de gênero. São iguais em desgraça.
E vocês, amigas, o que acham?